Reproduzimos a seguir a entrevista de José João R. Rodrigues a Roberto Samartim e Lucia Cernadas sobre o Projeto Livro Galego, originalmente publicada no número 238 do Novas da Galiza.
“Livro Galego” é a denominação vulgar do projeto Campo Editorial e Cultura Autonómica: Institucionalização e industrialização do livro na Galiza (1978-2026) (CECAIs), que visa “identificar défices no setor e tentar atendê-los”, servindo-se de uma metodologia “sistémica e sobretudo sociológica, baseada em dados empíricos”, o que é, segundo a própria equipa, uma das suas principais fortalezas ao lado de outros projetos semelhantes. Em específico, alguns exemplos dos interesses particulares do Projeto são “o impacto do Dia das Letras Galegas no Campo, o impacto do Decreto de Plurilinguismo de 2010”, bem como “a própria configuração do setor, o caráter da industrialização”. Conversamos com o Investigador Principal, Roberto Samartim, e com uma das investigadoras fundadoras do projeto, Lucia Cernadas, ambas da Universidade da Coruña, sobre o Projeto e os seus Encontros do Livro Galego.
Em que consiste o vosso projeto?
Roberto Samartim: Nos estudos literários galegos tende-se para uma grande unanimidade, que é colocar todas as ações ao serviço da nação: uma historiografia nacional, nacionalista, como todas na verdade, pelo menos como todas as canónicas. No nosso projeto, de acordo com a tal metodologia sistémica, também atendemos outro tipo de questões: posições, programas específicos; há consensos mas também há conflitos, realmente há processos de luta pela posição, de cooptação, todos são legítimos mas nós investigadoras temos de dar conta disso e a própria organização dos encontros vai ao encontro da tal metodologia.
Neste momento, nós temos já uma base de dados publicada, que é a base de dados de bibliografia sobre o livro galego, com 800 e tal referências, que requer de bastante atualização, claro, e estamos acabando a segunda base de dados, que é a base de dados de livro em galego. Antes de que acabe este ano 2025 confiamos em ter a base de dados com o livro galego noutras línguas. Depois há que dizer quetodo o conhecimento é gerado com dinheiro público e que portanto está acessível para toda a gente. Não só para consulta, mas também para manuseamento, para utilização. Esta é uma demanda do setor.

Qual é a vossa posição em relação ao setor e à Administração?
R: É óbvio que o campo académico é heterónomo. O dinheiro público depende do campo do poder, que diria Bourdieu, e são as responsáveis por gerir o público as que devem identificar prioridades, marcar objetivos e atribuir recursos. Nós temos uma máxima, que é que sem conhecimento não há plnificação. Um clássico. Entendemos que os poderes públicos, quanto maior conhecimento do objeto da planificação tiverem, melhor irão planificar. Haveria que perguntar às Administrações públicas quanto dedicam a conhecer e quanto a executar porque, se calhar, há uma grande percentagem de dinheiro executado, não diremos às cegas, mas às tortas.
Quanto a nós, temos uma série de EPOs, Entidades Promotoras Observadoras, que apoiam o projeto porque entendem que podem tirar alguma utilidade das conclusões. O Consello da Cultura Galega, a Asociación Galega de Editoras, a Federación de Librarías de Galicia, os ilustradores e ilustradoras, e são as primeiras a que comunicamos as nossas sínteses e conclusões para que trabalhem com elas.
Nos dois Encontros identificastes uma série de precariedades no Campo Editorial Galego (CEG). O motivo é ser Editorial ou então ser Galego?
R: Em sistemas culturais altamente institucionalizados a precariedade está mais repartida. Quer dizer, há espaços de precariedade igual que há espaços de maior centralidade, ou maior solvência económica ou maior centralidade inclusive institucional, de reconhecimento etc. No caso galego o Campo transparece também precariedade do próprio Sistema Cultural, que está condicionado por compartilhar, ou por concorrer pelo mesmo espaço com um Sistema, este sim, com um grau de institucionalização muito forte. Também pelas precariedades próprias do que nós chamamos de Norma Sistémica: da língua. Esse mercado restrito também está condicionado por modelos de língua e por outros elementos que não nos escapam e que são superáveis mas que o setor também não aposta em superar.
Outro défice identificado tem a ver com a gestão do próprio processo do livro, o sistema de novidades das distribuidoras, e como é distribuído o dinheiro entre os elos da cadeia. Simplificando muito, o esquema é 60-40, ou 55-45, e aí a parte maior vai para a distribuidora e não para a editora.
Não está limitado apenas o setor do livro, mas tem a ver com uma questão sistémica. Se é por editorial ou galego? Creio que mais por galego do que por editorial.
Lucia Cernadas: Também é verdade que é muito mais precário porque há um teto de públicos, ou seja, há uma escala muito menor, então aí há muito mais solapamento de funções. Isto é verdade, por ser galego há uma série de condicionantes, mas depois está a dinâmica das livrarias: chegam as novidades editoriais, que estão absolutamente queimadas em questão de 15 dias e sai mais barato destruí-las do que pô-las em circulação … isso não é questão do CEG, é uma questão global diria eu. Ou seja que são dinâmicas ao nível internacional. E aí há uma tensão interessante que é a da gente que advoga por querer ser como esses sistemas mais institucionalizados sem levarem em conta que isso pode ser um tiro no pé também.
Muitas vezes tendemos a pensar a cultura galega como uma coisa unitária ou esses agentes exteriorizam que estão no mesmo barco mas na verdade há muitos interesses, não ocultos, mas não-declarados, que conflituam e que colidem entre si.
E de que se trata?
R: Numa mão, a postura da bibliodiversidade defende que há que publicar menos, fazer um produto mais artesanal, com uma vida mais longa, mais tipologias de produtos… esta é uma posição que no II Encontro foi defendida por Laura Sáez, da Patas de Peixe: uma coisa mais ecológica. Quer dizer, não dá para ler todos os livros que produzimos, não faz sentido, estamos atadas a esse rodopio das novidades, mesmo economicamente: como as editoras ficam a dever, têm de tirar outra novidade para poder compensar e vão assim e assim. Então há que parar, reduzir, redimensionar. Esta é uma posição.
E a outra é mais industrialista: há é que dimensionar o setor para que tenha mais input económico, alargar os mercados, dirigir dinheiro público para a internacionalização. Esse foi outro dos défices apontados: empresas pequenas, com poucas funcionárias, não dá para aceder a subvenções porque o tempo que dedicam para a solicitude têm de dedicá-lo a outra coisa… aquelas coisas todas. Duas empresas como a Xerais e a Galaxia que para nós são enormes, no campo editorial europeu são ridículas, comparadas com a Planeta ou com a Anagrama, para não ir fora da Península… Enfim, sem serem pares opositivos perfeitos, identificamos estas duas posições em confronto. E os próprios agentes do setor acham necessário o acordo e reclamam, reclamaram recorrentemente durante estes encontros, espaços de encontro a serem facilitados por parte da Administração
Essa confluência de interesses, que viria substituir a concorrência, é possível? E desejável?
R: Nós identificamos um consenso enorme entre os vários agentes não institucionais, não dependentes do regime autonómico, em reclamar essas políticas públicas à Xunta. Em relação ao livro mas também a todos aqueles elementos que ajudariam a sustentar o livro: políticas linguísticas, promoção social, legitimação social etc.
Este é outro elemento também de precariedade. É muito interessante o desejo de heteronomia que os vários agentes têm, seja heteronomia do mercado ou do poder mas, dos vários agentes envolvidos no processo –a pessoa que escreve, a distribuição, a empresa que edita, até quem o vende, até quem gere todo esse processo, distribui etc.– a gente não está demandando autonomia, não querem ser autónomos: querem que a Xunta apoie o processo de criação, ou de edição, ou de internacionalização que viria preencher o tal défice de um mercado restrito, não é?
E aí a referência do catalão aprece muitas vezes no discurso dos agentes, o que enlaça também com a própria história do campo, é uma coisa que não vem de agora, mas que vem de muito atrás, esse referente de analogia na fundação do próprio campo
Enfim, dá para ver que há posições diferentes. E é óbvio que as há, mas a questão é se há espaço para acordos, para ficar de acordo nuns mínimos, para que, toda a gente, renunciando a uma parte, consiga ficar relativamente contente.
L: O Consello Asesor do Libro convocou-se pela primeira vez em 2019, sendo a Lei do Libro de 2006. Ora, é desejável? Pronto, que existam diferentes projetos editoriais, diferentes escopos e diferentes produtos é fruto da existência desse conflito, então o apagamento do conflito daria numa maior homogeneidade.
Mais alguma coisa?
R: Sim: livrogalego.net